Barroco no Brasil: obras, autores, características e contexto

Louise Oliveira
Louise Oliveira
Professora de Português
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O barroco no Brasil ocorreu entre os séculos 17 e 18, tendo como marco inicial o poema Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira. Os grandes autores e obras do movimento no país são Padre Antônio Vieira com “Os sermões” e Gregório de Matos com sua poesia. Já na arte, merecem destaque Aleijadinho e Mestre Ataíde.

O estilo desses artistas foi influenciado pelo barroco europeu, que surgiu no século 16 e foi marcado pela Reforma Católica. Nesse contexto, a Igreja perseguia os considerados hereges e o homem vivia um conflito entre a fé e os valores renascentistas.

Como o contexto histórico e a literatura de uma época estão relacionados, veja as principais características do barroco:

  • fusão entre o pensamento medieval e renascentista (fusionismo)
  • culto do contraste, como vida e morte, sagrado e profano, luzes e sombras
  • excessos de decoração, linguagem e estilo extravagante
  • jogo de palavras (cultismo) e jogo de ideias (conceptismo)
  • temática religiosa muito presente nas obras

Apesar das influências do barroco europeu, o barroco no Brasil se desenvolveu em um cenário bem diferente. O Brasil era colônia de exploração de Portugal, e a propagação da religião católica era feita pelos jesuítas.

Padre Antônio Vieira ao centro pregando para dois indígenas.
Padre Antônio Vieira pregando aos indígenas

Enquanto a literatura barroca no Brasil floresceu no século 17, em Salvador (capital da colônia), a arte só prosperou no século 18, impulsionada pela descoberta do ouro em Minas Gerais e o consequente crescimento populacional.

Já na Europa, a arte barroca encontrou seus principais nomes nos séculos 16 e 17, com artistas como Caravaggio, Velázquez, Rembrandt e Rubens. Na literatura destacaram-se os espanhóis Luis de Góngora e Francisco de Quevedo, responsáveis por introduzir o cultismo e o conceptismo.

Características do barroco

O barroco é um estilo complexo, que procura refletir a tensão entre visões de mundo opostas. Entenda seus principais traços.

Fusão entre o pensamento medieval e o renascentista (fusionismo)

O homem do barroco vivia uma dualidade. O pensamento renascentista, racional, marcou a sua época; ao mesmo tempo, a Igreja adotou uma série de ações para reafirmar os valores medievais baseados na fé católica.

Assim, havia uma tentativa de compreender, de conciliar essas duas visões opostas. O fusionismo reflete isso: na arte, com a mistura de luz e sombra, e na literatura, com a reunião de detalhes contrastantes nos textos.

Culto do contraste

Os escritores barrocos usavam muitas antíteses e paradoxos em seus textos, aproximando palavras opostas ou ideias incompatíveis. Veja um exemplo de antíteses empregadas em um trecho de soneto:

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

(Gregório de Matos)

Na literatura e na arte em geral, também há o destaque do contraste em: vida e morte, sagrado e profano, luzes e sombras, pecado e perdão etc.

Excessos de decoração e estilo extravagante

Um dos maiores símbolos do barroco brasileiro é o uso abundante de ouro nas igrejas e os detalhes nas decorações.

Jogo de palavras (cultismo)

O cultismo significa “jogo de palavras” e foi introduzido pelo poeta espanhol Luis de Góngora (1561-1627). Esse estilo privilegia o uso de uma linguagem culta, variadas figuras de linguagem, trocadilhos e outras relações entre palavras. Veja:

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme e inteiro

(Gregório de Matos)

Jogo de ideias (conceptismo)

O conceptismo significa “jogo de ideias” e foi introduzido pelo poeta espanhol Francisco de Quevedo (1580-1645). O foco do conceptismo é o trabalho com os conceitos, seguindo um raciocínio lógico e valorizando a construção intelectual dos textos.

Para atingir esse objetivo, os autores usam analogias, citações, comparações, relações de causa e consequência, repetição de ideias e de palavras, figuras de linguagem etc. Observe neste exemplo:

[...] Nenhum de nós há tão perfeitamente são que não tenha alguma enfermidade, e muitas de que sarar. Quantos estão hoje nesta igreja mancos e aleijados? Quantos cegos, quantos surdos, quantos entrevados, e o pior de tudo, quantos mortos? Quereis saber quem são os mancos? Ouvi a Elias: Usquequo claudicatis in duas partes [...]? Até quando, povo errado, hás de manquejar para duas partes, adorando juntamente a Deus e mais a Baal?

(Padre Antônio Vieira)

Temática religiosa muito presente

O grande conflito do homem barroco era entre a fé e a razão, entre os prazeres carnais e sua salvação. Além disso, uma das táticas da Igreja Católica para manter sua influência no mundo foi patrocinar a arte e usá-la como propaganda.

Assim, a Igreja teve grande influência na temática barroca.

Exploração da miséria da condição humana (pessimismo e feísmo)

O barroco também carrega visões que desagradam, explorando a miséria humana, como neste exemplo:

Houve missionários afogados, porque uns se afogavam na boca do grande rio das Amazonas; houve missionários comidos, porque a outros comeram os bárbaros na ilha de Aroans; houve missionários mirrados, mirrados de fome e de doença [...]

(Padre Antônio Vieira)

Dinamismo nas obras (sensação de movimento)

Para representar o mundo instável, o artista barroco procura dar movimento a suas obras, usando linhas curvas, entre outros recursos.

Temas relacionados à condição humana e seus conflitos

Além da religiosidade e do sentimento de culpa, os principais temas do barroco envolvem a brevidade da vida e os conflitos amorosos.

Uso de variadas figuras de linguagem

Como foi dito, a linguagem do escritor barroco é bem trabalhada. Assim, ele usa muitas figuras de linguagem, dentre elas: metáfora, comparação, antítese, paradoxo, hipérbole e sinestesia.

Saiba mais sobre as figuras de linguagem.

Contexto histórico do barroco no Brasil: influências e transformações

O Barroco no Brasil ocorreu nos séculos 17 e 18, tendo início em 1601.

Enquanto colônia de Portugal, o Brasil vivia um contexto de muita violência e exploração, principalmente em relação aos indígenas e escravos africanos. Estima-se que mais de 2 milhões de africanos desembarcaram na colônia na época do barroco brasileiro.

Na Europa, ocorria a Reforma Católica (Contrarreforma). Um dos desdobramentos dessa reforma foi a criação da Ordem dos Jesuítas, que propagava a religião católica pelo mundo. Os jesuítas atuaram na catequese dos índios e na educação na colônia, influenciando o cenário cultural e religioso.

Associado a isso, oficiais do Tribunal do Santo Ofício eram enviados ao Brasil para inspecionar as práticas religiosas, condenando as consideradas diferentes.

O barroco no Brasil do século 17

A principal atividade lucrativa da Coroa Portuguesa no Brasil do século 17 foi o cultivo da cana-de-açúcar, concentrado no Nordeste.

Por causa do crescimento econômico nessa região, Salvador, capital da colônia, destacou-se na produção cultural e literária. De lá saíram os principais escritores do barroco no Brasil: o Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos.

Evidentemente, houve muitos conflitos violentos e instabilidade na região. De 1580 a 1640, por exemplo, Portugal fez parte da União Ibérica, e as colônias portuguesas eram controladas pelo governo espanhol.

Como retaliação a esse governo, os holandeses ocuparam parte do Nordeste brasileiro e travaram muitas guerras.

Planta da restituição da Bahia com a armada espanhola em primeiro plano.
Planta da restituição da Bahia (João Teixeira Albernaz, o velho, 1631): Armada Espanhola contra os invasores da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais

Com o fim da União Ibérica e a retomada do domínio português por D. João IV, Portugal enfrentou uma crise econômica e buscou ajuda da Inglaterra, assinando vários tratados, como o de Methuen (1703).

Além disso, estimulou a procura de metais preciosos e adotou uma política ainda mais rigorosa com a colônia.

O século do ouro (1701 – 1800)

Por volta de 1693, foi descoberto ouro em Minas Gerais. Milhares de pessoas migraram para o local em busca de ascensão social, embora o poder tenha se concentrado nas mãos de poucos. Surgiram várias vilas e cidades na região, como as atuais Ouro Preto e Mariana.

A intensa disputa pelo ouro, principalmente entre paulistas e portugueses, gerou os conflitos conhecidos como Guerra dos Emboabas. Também ocorreram revoltas coloniais contra as políticas de Portugal.

A exploração do ouro impulsionou a arte barroca no Brasil, o que levou ao surgimento de importantes artistas barrocos, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, e de figuras-chave da música colonial, como Lobo de Mesquita.

Ao final do barroco, a capital colonial foi movida de Salvador para o Rio de Janeiro. Embora o ouro tenha ajudado temporariamente a economia portuguesa, a dependência da Inglaterra persistiu.

Principais autores e obras do barroco no Brasil

Padre Antônio Vieira é o maior escritor do barroco em Portugal e também no Brasil, já que viveu mais anos na colônia do que em sua terra natal.

Além dele, merece destaque Gregório de Matos como o maior poeta. Veja os principais nomes na poesia e na prosa.

Poesia

  • Bento Teixeira (1561-1618)
  • Gregório de Matos (1633-1696)
  • Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)
  • Frei Manuel da Santa Maria de Itaparica (1704-1768)

Prosa

  • Padre Antônio Vieira (1608-1697)
  • Nuno Marques Pereira (1652-1728)
  • Sebastião da Rocha Pita (1660-1738)

Padre Antônio Vieira (1608-1697)

Nascido em Lisboa, Padre Antônio Vieira mudou-se para o Brasil ainda criança, onde passou a maior parte da sua vida. É considerado o principal escritor do barroco português e brasileiro.

Com uma vasta formação intelectual e cultural, tornou-se padre em 1635 e começou a pregar. Retornou a Lisboa em 1641, passando a frequentar as cortes portuguesas em razão do seu brilhantismo enquanto orador e diplomata.

Também participou de missões diplomáticas em outras cortes europeias, aliando os propósitos de expansão comercial portuguesa às causas humanitárias.

Vieira retornou ao Brasil em 1652. Enfrentou conflitos com colonos e a própria Igreja por defender ideias como a proteção dos índios contra a escravidão. Após a morte de D. João IV, seu protetor, chegou a ficar preso por dois anos em Portugal. Retornou novamente ao Brasil em 1681, onde permaneceu até a sua morte.

Veja um trecho do Sermão de Santo Antônio (aos peixes), pregado em 1654 na cidade de São Luís do Maranhão.

Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina que lhe dão, a não querer receber. [...] Não é tudo isso verdade? Ainda mal.

O conceptismo é uma forte característica dos sermões de Vieira. Assim, o texto possui as seguintes características:

  • estratégias argumentativas para convencer os leitores ou ouvintes;
  • repetição de ideias e de palavras para reforçar um conceito;
  • figuras de linguagem, como a metáfora.

Gregório de Matos (1633-1696)

Nascido em Salvador, Gregório de Matos e Guerra é o primeiro grande poeta do Brasil. Filho de família abastada, teve sólida formação cultural e estudou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. Retornou ao Brasil em 1681, exercendo cargos importantes no contexto administrativo e religioso da época.

Os seus textos contêm influências de poetas barrocos como os espanhóis Quevedo e Góngora. Entretanto, incorporam a vida colonial, explorando temas locais, expressões populares e termos de origem indígena e africana.

O poeta ficou conhecido como “Boca do Inferno” por causa da sua poesia satírica, que criticava diferentes grupos sociais. Ele foi ousado e desafiador, confrontando os valores e a falsa moral da sociedade baiana, cujas atitudes eram vistas como inadequadas.

Por causa disso, chegou a ser perseguido pelo governador Antônio de Souza Menezes (Braço de Prata) e passou um tempo em exílio na Angola.

Seus poemas não foram publicados de forma impressa em vida. Na época, era comum serem declamados em voz alta e memorizados. Também poderiam circular em cópias manuscritas (códices). A obra do escritor divide-se em dois tipos de poesia: lírica (amorosa, filosófica ou religiosa) e satírica. Veja exemplos.

Poesia lírica

Pintura admirável de uma beleza

Vês esse sol de luzes coroado?
Em pérolas a aurora convertida?
Vês a lua de estrelas guarnecida?
Vês o céu de planetas adorado?

O céu deixemos; vês naquele prado
A rosa com razão desvanecida?
A açucena por alva presumida?
O cravo por galã lisonjeado?

Deixa o prado; vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Catarina.

Poesia satírica

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas,
São, ó Bahia! vésperas choradas
De outros que estão por vir mais estranhosos:

Sentimo-nos confusos, e teimosos,
Pois não damos remédios às já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas,
Como que estamos delas desejosos.

Levou-vos o dinheiro a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
Macutas, correão, novelos, molhos:

Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que, quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

O cultismo é uma característica muito presente na poesia de Gregório de Matos. Assim, seus poemas possuem variadas figuras de linguagem e jogos de palavras.

Bento Teixeira (1561-1618)

Nascido no Porto, em Portugal, o poeta Bento Teixeira mudou-se com a família para o Brasil em 1567. Frequentou o colégio de jesuítas no Espírito Santo e continuou seus estudos no Rio de Janeiro.

Foi professor e advogado no Brasil, retornando a Lisboa em 1596 acusado de matar a esposa, provavelmente por adultério. Após sua prisão, recebeu liberdade condicional.

Mais tarde, publicou o poema épico Prosopopeia (1601), escrito em homenagem a um donatário da Capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho. A obra apresenta uma tentativa de imitar Os Lusíadas, de Camões, não sendo considerada de qualidade elevada.

Prosopopeia inaugurou o barroco no Brasil. Leia um trecho desse poema.

Descrição do Recife de Pernambuco

No meio desta obra alpestre e dura,
Uma boca rompeu o Mar inchado,
Que, na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco de todos é chamado.
De Para'na, que é Mar; Puca, rotura,
Feita com fúria desse Mar salgado,
Que, sem no derivar cometer míngua,
Cova do Mar se chama em nossa língua.

Arte barroca

No Brasil, a arte barroca se destacou na segunda metade do século 18, com o ciclo do ouro. Os trabalhos mais importantes são os de Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde e as composições sacras de Lobo de Mesquita e Marcos Coelho.

Arquitetura da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto e pintura da glorificação de Nossa Senhora entre anjos músicos no forro da nave, ao interior dessa igreja.
Esquerda: fachada da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, por Aleijadinho. Direita: Assunção da Virgem, de Mestre Ataíde.

Na Europa, os principais artistas plásticos barrocos são Caravaggio, Rubens, Rembrandt e Velázquez. Em Portugal, destaca-se a pintora Josefa de Óbidos.

Existe, ainda, notória produção na arquitetura, na música, no teatro, entre outras expressões. Na música, ganham realce as composições de Vivaldi, Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Haendel.

Barroco na Europa

Como reflexo dos impactos dos Grandes Descobrimentos, Portugal e Espanha estão entre os principais centros culturais do barroco na Europa.

Os principais autores e obras do barroco em Portugal foram:

  • Pe. Antônio Vieira (1608-1697). Principais obras: Sermão de Santo Antônio aos Peixes (1654), Sermão da Sexagésima (1655), Sermão do Bom Ladrão (1655).
  • D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666). Principais obras: Carta de Guia de Casados (1651), Obras Métricas (1665), Apólogos Dialogais (1721).
  • Soror Mariana Alcoforado (1640-1723): Principais obras: Cartas Portuguesas (1669).

Por sua vez, os grandes autores do barroco espanhol foram Luis de Góngora y Argote (1561-1627) e Francisco de Quevedo (1580-1645). Eles inspiraram o cultismo e o conceptismo.

Leia também: Barroco: características, contexto histórico, autores e obras relevantes

Louise Oliveira
Louise Oliveira
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é professora de Língua Portuguesa, autora de materiais didáticos e revisora de textos. Apaixonada pela escrita e pelo ensino de língua materna, produz conteúdos educacionais desde 2009 e carrega o propósito de levar educação de qualidade a todos.

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