Selecionamos seis contos que merecem ser (re)descobertos por você. Escritos por autores consagrados na literatura, eles trazem narrativas curtas com importantes reflexões sobre temas universais, como a existência, a arte e o amor.
Sem dúvida, estão entre os melhores contos dos últimos séculos. Veja quais são!
Esta obra-prima foi publicada em 1962 no livro Primeiras estórias. O conto apresenta um pai de família que abandona tudo para viver sozinho em uma canoa no rio.
Seu filho narra a história com uma perspectiva triste e desconfortável em relação às mudanças que sucedem. A começar pelo título, a história sugere uma situação incomum, já que um rio tem apenas duas margens.
Início do conto:
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta. [...]
Publicado em 2003, este conto captura a nossa atenção desde a primeira frase. A narrativa gira em torno de uma aranha artista, que não segue os padrões de sua espécie, proporcionando uma reflexão sobre a utilidade da arte e outros temas. O final é surpreendente.
Início do conto:
A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções. [...]
Esse conto, de 1978, é voltado para todas as idades. Pertencendo ao imaginário infantil, oferece camadas de leitura que nos permitem refletir sobre temas como individualismo nos relacionamentos e a importância de executar boas ideias.
A narrativa poética apresenta um rei que vivencia a chegada de uma ideia, a primeira e única de sua vida, e lida com as consequências de sua relação com essa ideia ao longo do tempo.
Início do conto:
Um dia o Rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda ideia dele toda azul. Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore.
Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia: Quem jamais saberia que já tinha dono? Com a ideia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o castelo. [...]
Felicidade clandestina teve sua publicação em 1971. Inspirando-se em vivências da própria autora, a história mostra uma protagonista ávida por livros, que implora à sua colega, filha de um livreiro, por empréstimos. No entanto, essa relação é tingida pela insensibilidade da colega.
Início do conto:
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”. Mas que talento tinha para a crueldade. [...]
Clássico da literatura, A cartomante (1896) é uma narrativa genial que gira em torno de um triângulo amoroso. Nela são explorados o adultério e a crítica aos costumes da época.
Início do conto:
HAMLET observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
— Errou! interrompeu Camilo, rindo. — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
Dialogando com os outros contos, esta obra de 1912 narra a história de Antenor, um homem íntegro e honesto que vivia em uma sociedade corrupta que o rejeitava. Até que, devido a certos eventos, substitui sua cabeça por uma de papelão. Um conto imperdível.
Início do conto:
No país que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.
O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em ideias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. [...]
Veja também: Conto: o que é, tipos, exemplos e elementos