A crônica é um texto que transforma o cotidiano em material literário. Geralmente divulgada em jornais e revistas, costuma ser curta e tem linguagem simples, que se aproxima da fala. O linguista Sérgio Roberto Costa diz que a crônica “é o fato miúdo: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira”.
Além disso, a crônica é um caminho excelente para a literatura. Pensando nisso, selecionamos 5 exemplos de crônicas para ler, escritas por autores talentosos e renomados. Confira!
Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca… Todos ajudam.
– Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?
– Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pelo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa.
– Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
– Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo.
– Ele faz pincel, professora?
– Quem, o texugo? Não, só fornece o pelo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:
– Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo.
– Vivo, fessora?
– A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pelo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc.
– Depois a gente come a vicunha, né fessora?
– Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer…
– E a gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.
– Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
– A carne também é listrada? – pergunta que desencadeia riso geral.
– Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pinguim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pinguim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pinguim…
– A senhora disse que a gente deve respeitar.
– Claro. Mas o óleo é bom.
– Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa.
– Pois lucra. O pelo dá escovas de ótima qualidade.
– E o castor?
– Pois quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar de um bom exemplo.
– Eu, hem?
– Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living da sua casa.
Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pelos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado.
– Engraçado, como?
– Apanha peixe pra gente.
– Apanha e entrega, professora?
– Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.
– Bobo que ele é.
– Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo?
– Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pelo, o couro e os ossos.
A 1a vz q abri o email e dei de kra c/ uma msgm assim, naum entendi nd. Pnsei q era pau do outlook, pblma do cputador. Naum, nd dsso: era soh + uma leitora que flava eça stranha lihngua da internet. Como a kda dia que paça, rcbo + msgs nece dialeto sqzito, percbi q, ou aprendia eu tb a tklar acim, ou fikava p trahs. Na natureza nd c perde, nd c cria, td c transforma: tinha xgado a hr de eu tb me transformar. Minha 1ª atitud foi tklar para Ehrika, uma garota que screv neça lihngua, e prgntar como eu fazia p aprendr. Ela flou o sgte: “tipo... eh soh trocar CH por X, Ç por SS, H em vez de acento (é/eh; só/soh) e comer o max d letras pocihvel. Entendeu?” O q naum entendo eh pq tnta complicação. Era taum fahcil scrver o bom e velho port... Pgntei p o Joaum, 1 primo meu q screv ateh poemas dece jto: pq as pssoas estaum screvndo acim? Ele me garantiu q era pq era + fahcil. Serah? Olha soh, Joaum, Ehrika e td mdo: p tklar naum, uso 4 tklas. Para tklar não, tb uso soh 4. Eh =, ueh?! Kd a facilidad?
Outra xplicaçaum q me deram foi q, p quem tah nos EUA, eh + smples tklar acim, pq lah o tklado naum tem acents nem ç. Soh q ns utms 2 anos jah recebi + d 1000 msgs escrts acim, e eram lah do Parah, do Guarujah, de Jauh, + nunk dos Ests Unds. Plo q eu sei, no Guarujah, Parah e Jauh, os tklados tehm todos os acentos, naum?
Sei lah pq, + tenho minhas nohias. Serah q os garotos e garotas q paçm o dia todo tklando acim, na hr que tiverem que screvr uma redassaum em port nrmal, vaum conseguir? Meu medo eh q os garotos e garotas, acostumads a eça forma de comunikssaum, tenham dfculdads c/ as outrs. Afnal, a histohria da humanidad estah tda em livrs, escrts com o portugs culto, cheio de vogais, acentos, vihrgulas, pontos e todo +. Ou serah que, no futuro, os livrs vaum ser traduzids para a internet? “Hist, do Br: Krta de P. Vaz de Camnh sobr desc. Do BR...”?! Pelo msgnr vaum circular poemas de Drummond acim: “Tnha 1 pdra no ½ d kminho, no ½ d kminho tnha 1 pdra...”???
Tem qm diga q eh mlhor screvr e ler acim do q naum screvr nem ler nda. O importante é a gte c comunicar i c nos entendemos com linguagem de srdo/mdo, sinais de fumaça ou flando xneis, naum tem tnta importahncia. Serah? Sei naum... Tvez eu seja antiquad, 1/2 pessimista, + gost da nossa lihngua e de tdos os pqnos dtalhes. Screvam como quiserm, c comuniquem na lihngua da internet, em cohdigo Morse ou c/ hierohglifos egihpcios, dsd q, d vz em qdo, abram um livro deces antigos, q usam acentos, e dehem uma lida. Tvez d + trbalho do q tklar no msnger, [...]. Bjs, [ ]s e ateh a prohxima edissaum.
Ass. Antn Prt!
Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros; e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade. Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.
Há algo errado nisto.
Onde havia florestas construímos cidades de concreto, asfalto e vidro. Aí vivemos. Ou melhor: trabalhamos. Mas como o lugar onde trabalhamos não é onde queremos viver, então no fim de semana rumamos para onde há floresta ou praia, onde, além do verde e do azul, se pode respirar.
Chegamos. Acabamos de encostar o carro na garagem da casa de campo, fazenda ou do hotel nas montanhas.
Chegar aqui não foi fácil. Duas, cinco, às vezes dez horas de engarrafamento. O verde e o azul, lá longe ainda, difíceis de alcançar. E a gente ali na estrada entalado num terrível rito de ultrapassagem.
Mas digamos que a viagem foi normal. O simples fato de nos aproximarmos do verde já muda o clima psicológico dentro do carro. Vai ficando para trás a fuligem da cidade. E ao subir a serra começa uma descontração no diafragma. Aqueles que estavam tensos, indo para a natureza, já tornam suas frases mais macias, já começam a ficar mais amorosos. Algumas brigas de casal vão se diluindo na passagem da cidade para o campo.
Enfim, chegamos. São desembarcadas as malas, as portas e janelas da casa e corpo se abrem e a clorofila começa a entrar pelos poros. As flores continuaram a elaborar suas cores em nossa ausência. Os pássaros continuaram a emplumar as estações. [...]
Os comezinhos prazeres: distinguir o canto do sabiá do grito do gavião. Seguir o bando de maritacas alardeando o verão. Se deitamos na rede, pouco acima da cabeça zumbem as asas de um beija-flor.
Jogar água nas plantas à tardinha ou à noite, num diálogo no escuro com aquilo que o escuro pulsa. Que força sai do chão, que força na escuridão. Um pio de coruja ali e alguns vaga-lumes adiante atravessam a íris da noite.
Alguns procuram a casa na montanha de uma estranha e inócua maneira. Desabam a dormir cerrando os sentidos para a própria natureza. Bebem, comem, bebem ou ficam jogando, jogando e mal olham lá fora. A natureza continua um cenário exteriorizado.
Outros, no entanto, saem a cavalo sentindo entre as coxas o calor da alimária em movimento. Noutros caminhos pedalam-se bicicletas. As pessoas da cidade, em verdade, seguem meio desajeitadas por essas trilhas silvestres. Estão de bermuda ou jogging procurando a via natural de ser. Já os habitantes do interior olham os da cidade estranhando neles a inabilidade em deixar o corpo seguir à vontade no verde. Falta ao da cidade o sentimento de pertencimento a essa paisagem.
À noite pode-se acender a lareira e ali se ficar prostrado com um copo de uísque ou vinho, uma xícara de chá ou café, olhando, olhando o fogo como um primitivo na caverna de si mesmo. [...]
Todavia, essa incursão no paraíso vai acabar. O fim de semana escoou-se. Já começamos a refazer as malas e a ficar ansiosos e de mau humor. Vamos começar a descer a serra para retornar ao campo de concentração urbana. Mal sinalizadas, as estradas vez por outra nos deixam ver um cão morto no asfalto. [...]
Aproximamo-nos da cidade. A temperatura começa a subir, um calor abafado vai grudando na pele. O mau cheiro irrita as narinas, o ruído agride os tímpanos. O ritmo do pulso é tenso e há um cruzar de buzinas, faróis, anúncios e sempre a possibilidade de uma emergente violência.
Chegamos ao apartamento ou casa. Descarregamos tudo pelo elevador com ar de vitória e derrota. Na sala, jornais, correspondência acumulada. O dia seguinte já nos espreita na treva. Aí começaremos a fazer novos planos para fugir da cidade. Planejaremos outro feriado e contaremos quanto tempo falta para a aposentadoria.
Há algo de errado nisto. E persistimos.
Como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido de nossa esperança e visão humanas? Devia ser terrível. Chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam, e depois ardiam ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido humano, como me assusto. Tenho medo da chuva, quando a separo da cidade e dos guarda-chuvas abertos, e dos campos se embebendo de água.