O Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais é celebrado em 23 de abril, sendo uma iniciativa da Unesco desde 1996. A data tem uma razão especial: os grandes escritores Miguel de Cervantes e William Shakespeare faleceram praticamente no mesmo dia e ano, em 23 de abril de 1616.
Nos países de língua portuguesa, há uma rica tradição literária que merece destaque. Confira abaixo cinco livros escritos em língua portuguesa, premiados, mas ainda pouco conhecidos pelo público brasileiro.
A visão das plantas é uma narrativa inspirada na leitura de "Os Pescadores", de Raul Brandão. Narra a história de Celestino, homem desprezível que cometeu atrocidades no passado, mas que passa o resto dos dias cultivando seu jardim.
De acordo com o resumo da obra, “Djaimilia construiu um romance que encanta pela beleza de suas frases e fascina pela profundidade com que Celestino é desenhado”.
Trecho do livro
As plantas viam o jardineiro como as plantas veem. Não se sentiam agradecidas. Tratavam o seu regador à semelhança da chuva que caía sobre elas nas noites de Outono. Florescerem não era o seu meio de meterem conversa com o jardineiro, mas uma forma de acentuarem a sua indiferença à declaração de amor que ele cultivava a cada hora. [...] Nenhuma flor lamentava a morte dos escravos que Celestino sufocara no mar. [...] As plantas viam-no como um olho de vidro vê a passagem das nuvens.
Sobre a autora: Djaimilia Pereira de Almeida é uma escritora portuguesa nascida em Angola, em 1982. Leciona na New York University, tendo ganhado vários prêmios literários por suas obras.
Olhos d'água é uma coletânea de 15 contos que abordam a violência e a pobreza que acometem a população afro-brasileira. Em uma linguagem extremamente poética, apresenta histórias de mulheres negras e homens cujos destinos são influenciados por mulheres.
Trecho do livro
Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar como havia chegado até ali. E a insistente pergunta, martelando, martelando... De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório. Então, eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe?
Sobre a autora: Conceição Evaristo é uma premiada escritora mineira, nascida em 1946. Possui doutorado em Literatura Comparada e é uma das mais influentes escritoras do movimento pós-modernista.
Dentes de rato é uma ficção autobiográfica. Conta a história de Lourença, uma menina imaginativa e questionadora, que se transforma nas personagens inventadas para viver grandes aventuras. Apesar de ser muito recomendada ao público infantil, é direcionada a todas as idades.
Trecho do livro
Lourença tinha três irmãos. Todos aprendiam a fazer habilidades como cãezinhos, e tocavam guitarra ou dançavam em pontas dos pés. Ela não. Era até um bocado infeliz para aprender, e admirava-se de que lhe quisessem ensinar tantas coisas aborrecidas e que ela tinha de esquecer o mais depressa possível. O que mais gostava de fazer era comer maçãs e deitar-se para dormir. Mas não dormia. Fechava os olhos e acontecia-lhe então uma aventura bonita e conhecia gente maravilhosa. Eram as pessoas que ela via no cinema ou que ela já tinha encontrado em qualquer parte, mas que não sabia quem eram. Não gostava de ninguém que se pusesse entre ela e a imaginação, como um muro, e a não deixasse ver as coisas de maneira diferente.
Sobre a autora: Agustina Bessa-Luís foi uma escritora portuguesa (1922-2019) aclamada pela crítica literária. Ganhou o prêmio Camões em 2014.
Nós matamos o cão tinhoso! reúne sete contos que retratam de maneira comovente a dura realidade enfrentada pelos trabalhadores moçambicanos durante o período de colonização por Portugal.
Trecho do livro
O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre cheios de lágrimas, que lhe escorriam pelo focinho. Metiam medo aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer. Eu via todos os dias o Cão-Tinhoso a andar pela sombra do muro em volta do pátio da Escola, a ir para o canto das camas de poeira das galinhas do Senhor Professor. As galinhas nem fugiam, porque ele não se metia com elas, sempre a andar devagar, à procura de uma cama de poeira que não estivesse ocupada.
Sobre o autor: Luís Bernardo Honwana é um escritor moçambicano, nascido em 1942. Ganhou o prêmio José Craveirinha de Literatura em 2014.
Mayombe é um romance que se passa em Angola durante os anos 70, no período de lutas pela independência do país. O título da obra é uma referência a uma região da África Ocidental.
Trecho do livro
Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não, para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez?
Sobre o autor: Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) é um escritor angolano nascido em 1941. Ganhou o prêmio Camões em 1997.
Você também pode gostar de ler: