O trovadorismo foi o primeiro movimento literário da língua portuguesa, mais precisamente, da fase da língua que chamamos de galego-português. Em Portugal, ocorreu entre os séculos 12 e 14, durante a Baixa Idade Média.
O nome trovadorismo vem da arte de fazer trova, uma composição poética própria dos trovadores. Considerados os primeiros poetas da língua, os trovadores geralmente eram de origem nobre.
Nessa época, os poemas eram cantados com o acompanhamento de instrumentos musicais. As composições dos trovadores envolveram dois tipos de poesia: a lírico-amorosa (cantiga de amor e cantiga de amigo) e a satírica (cantiga de escárnio e de maldizer).
As cantigas trovadorescas que resistiram ao tempo foram reunidas em documentos chamados cancioneiros. O registro mais antigo de Portugal é a Cantiga da Ribeirinha, escrita em 1189 ou 1198 (o ano exato é desconhecido).
O trovadorismo teve origem na Provença (sul da França), no século 11. Depois, espalhou-se pela Europa, especialmente nas áreas que hoje correspondem à França, Espanha e Portugal. Ocorrido durante a Baixa Idade Média, durou até o início do século 15.
A visão de mundo da época era apoiada no teocentrismo (visão centrada em Deus). Nesse período, a Igreja Católica exercia grande poder na sociedade, sendo vista como representante da vontade divina.
Além do poder econômico, a Igreja controlava praticamente toda a produção cultural. Assim, a maior parte das artes abordava temas religiosos. A circulação de textos literários era bem restrita, pois os textos eram manuscritos e havia poucas cópias. Somado a isso, poucos sabiam ler.
A sociedade era dividida nesta hierarquia: Rei, clero, nobreza e servos. Com o passar do tempo, surgiu a burguesia (formada por proprietários de bens ou capitais).
Isso porque, no século 12, as grandes invasões passaram e a Europa vivia um período de relativa paz. Então, as cidades renasceram como importantes centros culturais. A atividade comercial foi reanimada e a moeda voltou a circular.
Nas artes plásticas, floresceu o estilo gótico (imponente, usado como símbolo do poder da Igreja e da burguesia).
O trovadorismo marca o nascimento da literatura portuguesa e coincide com a origem de Portugal no século 12.
Antes de Portugal se tornar um reino, já havia trovadores no sul da França. A influência deles na nobreza portuguesa começou a ser notada no final do século 12, quando alguns foram bem recebidos em cortes nobres e reais.
O ano de 1189 (ou 1198) é considerado o início do trovadorismo em Portugal, ano provável em que a primeira composição galego-portuguesa foi feita. Trata-se da Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de Guarvaia), escrita por Paio Soares da Taveirós.
As cantigas galego-portuguesas foram organizadas em coleções chamadas cancioneiros, encontrados atualmente em bibliotecas de Lisboa e na Biblioteca Vaticana. São eles: Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca Nacional e Cancioneiro da Vaticana.
A poesia dos trovadores atingiu seu auge em Portugal nos séculos 12 e 13, sendo que o movimento durou até o século 14 na região.
Alguns dos maiores poetas do galego-português eram reis, como Afonso X e seu neto, D. Dinis, além de muitos outros nobres, desde cavaleiros simples até figuras de destaque. Confira os principais autores.
Entre as principais obras do trovadorismo está a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares da Taveirós. Tradicionalmente, ela é considerada uma cantiga de amor, dedicada a D. Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha).
Veja a versão original e uma versão em português contemporâneo, para perceber as diferenças nas palavras, na estrutura e no som.
No mundo nom me sei parelh'
mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós e ai,
mia senhor branc'e vermelha!
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia?
Mao dia me levantei
que vos entom nom vi fea!
E [ai!], mia senhor, des aquelh'
dia, me foi a mi mui lai.
E vós, filha de dom Paai
Moniz, e bem vos semelha
d'haver eu por vós garvaia?
Pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós houve nem hei
valia d'ũa correa.
Versão em português contemporâneo
No mundo ninguém se assemelha a mim
Enquanto a vida continuar como vai,
Porque morro por vós e ai,
Minha senhora alva e de pele rosadas!
Quereis que vos retrate
Quando eu vos vi sem manto?
Maldito seja o dia em que me levantei
E então não vos vi feia!
E minha senhora, desde aquele dia, ai!
Tudo me ocorreu muito mal!
E a vós, filha de Dom Paio
Moniz, parece-vos bem
Que me presenteeis com uma guarvaia?
Pois eu, minha senhora, como presente,
Nunca de vós recebera algo,
Mesmo que de ínfimo valor.
Apesar de ser considerada uma cantiga de amor, pesquisadores têm defendido que ela pode ser uma poesia satírica (cantiga de escárnio), por causa do seu tom humorístico e da identificação da dama pela sua linhagem (o que não acontecia em uma cantiga de amor canônica).
Nessa possível interpretação, a referida filha de D. Paio Moniz poderia ser outra dama galega. Assim, haveria um comentário jocoso (irônico) sobre o fato de um trovador ter surpreendido uma dama em trajes informais.
Na Idade Média, os poemas eram chamados de cantigas porque eram cantados. As cantigas incluíam dois tipos de poesia:
Os músicos que circulavam pelas cortes para divulgá-los usavam instrumentos de corda, percussão e sopro. São estes os principais artistas envolvidos nas cantigas:
A cantiga de amor é a mais complexa das cantigas. O eu lírico (voz que se expressa no poema) é masculino e enaltece uma mulher inacessível e idealizada, geralmente casada e de posição social superior.
Ele expressa sofrimento amoroso e costuma desejar a morte por não ser correspondido. Seu sofrimento é caracterizado pelo termo coita d’amor (o trovador se descreve como “coitado”).
Na cantiga de amor, destaca-se o amor cortês, que valoriza a cortesia. Nessa concepção, o eu lírico se coloca como um vassalo (servo leal) da mulher amada.
A cantiga de amor galego-portuguesa é associada à aristocracia (nobreza). Sua composição foi muito influenciada pelo estilo provençal, mas possui diferenças. Geralmente é mais curta e quase sempre inclui um refrão (versos repetidos ao final de uma estrofe). Seus versos possuem sete sílabas métricas.
Quantos o amor faz padecer
penas que tenho padecido,
querem morrer e não duvido
que alegremente queiram morrer.
Porém enquanto vos puder ver,
vivendo assim eu quero estar
e esperar, esperar.
Sei que a sofrer estou condenado
e por vós cegam os olhos meus.
Não me acudis; nem vós, nem Deus.
Mas, se sabendo-me abandonado,
ver-vos, senhora, me for dado,
vivendo assim eu quero estar
e esperar, esperar.
Esses que veem tristemente
desamparada sua paixão,
querendo morrer, loucos estão.
Minha fortuna não é diferente;
porém eu digo constantemente:
vivendo assim eu quero estar
e esperar, esperar.
(João Garcia de Guilhade)
Nesse exemplo, podemos notar as características de uma cantiga de amor tradicional, exceto pelo fato de que o eu lírico não deseja a morte, fugindo do convencional. Ele deseja viver para esperar a dama.
Diferentemente da cantiga de amor, a cantiga de amigo teve sua origem no galego-português. Possui eu lírico com voz feminina, embora seus compositores sejam geralmente homens.
Sendo um estilo de poesia mais popular, a voz feminina fala sobre seus sentimentos de amor e saudade de um amigo (namorado ou amado). Ela pode descrever a alegria de estar perto de seu amado, a tristeza quando ele parte ou até mesmo a raiva quando ele a engana. Nesse caso, há uma relação amorosa concreta.
A cantiga de amigo geralmente se passa em ambientes campestres. Ela emprega um estilo chamado paralelismo, no qual a mesma ideia é repetida em versos alternados com pequenas variações, e frequentemente possui refrão. Os versos costumam ter cinco sílabas métricas.
Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs frias!
Todas as aves do mundo, de amor, diziam:
alegre eu ando.
Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs claras!
Todas as aves do mundo, de amor, cantavam:
alegre eu ando.
Todas as aves do mundo, de amor, diziam;
do meu amor e do teu se lembrariam:
alegre eu ando.
Todas as aves do mundo, de amor, cantavam;
do meu amor e do teu se recordavam:
alegre eu ando.
Do meu amor e do teu se lembrariam;
tu lhes tolheste os ramos em que eu as via:
alegre eu ando. [...]
Tu lhes tolheste os ramos em que pousavam;
e lhes secaste as fontes que as refrescavam:
alegre eu ando.
(Nuno Fernandes Torneol)
No exemplo, a voz feminina pede ao amigo que se levante do seu sono, lembrando-se de como as aves cantavam sobre o amor entre eles. No entanto, o amigo cortou os ramos onde as aves pousavam e secou as fontes em que bebiam.
As cantigas de escárnio e maldizer são usadas pelos trovadores para criticar costumes da sociedade, desde comportamentos diários até questões políticas. Pertencendo à poesia satírica, a principal diferença entre elas está na linguagem.
Na cantiga de escárnio há ironia e ambiguidades para não revelar diretamente quem está sendo satirizado (zombado). Já na cantiga de maldizer, a linguagem é mais direta e agressiva, e a pessoa alvo da crítica é geralmente identificada.
Formalmente, a maioria das cantigas satíricas segue uma estrutura mais complexa (maestria), embora algumas incluam refrão.
Uma dama não digo qual
não agoirou este ano mal
pelas oitavas do Natal:
ia ela a missa ouvir
e ouvindo um corvo carniçal
já de casa não quis sair.
Ia a dama com devoção
ouvir a missa e o sermão.
Mas não podendo à tentação
carnal do corvo resistir,
logo mudou de opinião:
já de casa não quis sair.
Diz a dama: “mal me virá!
Paramentado o padre está
e a maldição me lançará
se na igreja me não vir.”
Diz o corvo: “vem cá! vem cá!”
Já de casa não quis sair. [...]
(João Airas de Santiago)
A cantiga critica uma religiosa que se prepara para ir à missa, mas ouve a voz de um corvo faminto. Assim, ela decide ficar em casa. O corvo, nesse caso, pode ser associado a um mau presságio ou a um homem sedento de carne (que a deseja). A linguagem, nesse caso, é ambígua.
Veja também:
Referências
Cantigas Medievais Galego-Portuguesas. Projeto Littera. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/. Acesso em maio 2024.
Mattoso, José (dir.). História da vida privada em Portugal — Idade Média. Lisboa: Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2010.