Variação linguística explicada (com exemplos)

Carolina Sueto Moreira
Carolina Sueto Moreira
Professora de Português

Variação linguística é o nome que se dá aos diferentes modos de falar existentes em uma sociedade. Ela acontece porque o ser humano é naturalmente diverso e isso reflete na sua forma de entender o mundo e se comunicar com ele. Cada um desses modos de falar é chamado de variante.

Mesmo que um país apresente apenas uma língua oficial, diversas variantes convivem em seu interior. Elas dependem do local em que as pessoas vivem, da idade, do gênero e da escolarização, entre outros fatores. Por isso, há autores que conceituam língua como um polissistema, ou seja, um conjunto formado por todas essas variedades linguísticas.

A variação linguística se manifesta em vários níveis. O mais abrangente seria a diferença existente entre países que falam a mesma língua. Em seguida, as formas percebidas entre os estados de um mesmo país, depois aquelas que coexistem no mesmo estado, até chegar nas particularidades linguísticas de cada pessoa.

Para fins didáticos, as variantes linguísticas são divididas em tipos, de acordo com os fatores que as influenciam. A ciência que estuda a variação e a mudança linguística é a sociolinguística.

Exemplo de níveis de variantes linguísticas

Nível mais amplo: diferenças linguísticas entre Brasil e Portugal

Brasil: banheiro, esmalte, goleiro, ônibus.
Portugal: casa de banho, verniz, guarda-redes, autocarro.

Nível mais individual: mesma pessoa falando em diferentes contextos

Formal: Hoje chove torrencialmente na cidade.
Informal: Tá chovendo demais hoje, credo!

Tipos de variação linguística

A classificação de uma variante linguística depende dos fatores que promovem a variação. Por exemplo: se um pesquisador observa pessoas de centros urbanos e de área rural, o fator observado é o local em que vivem essas pessoas. Por isso, a variação é classificada como geográfica.

Essa classificação é utilizada para facilitar o estudo, mas na prática as variantes sofrem influência de vários fatores ao mesmo tempo.

Os principais tipos de variação linguística são:

Variação histórica ou diacrônica

Estuda como a língua muda com o passar do tempo. As diferenças geracionais, ou seja, na fala de jovens e idosos de um mesmo grupo social, também são estudadas como variação histórica.

Exemplo de variação histórica

Veja como a acentuação, o vocabulário e a estrutura das frases é diferente ao longo do tempo.

"Tito sabia juntar muita jovialidade a muita delicadeza; sabia fazer rir sem saltar fora das conveniências. Acrescia que, voltando de uma longa e pitoresca viagem, trazia as algibeiras da memória (deixem passar a frase) cheias de vivas reminiscências. Tinha feito uma viagem de poeta e não de peralvilho." (Machado de Assis. Contos Fluminenses. Texto escrito em 1870)
algibeiras: bolsos
peralvilho: homem que tenta ser elegante, mas cai no ridículo

"Não vem, tudo isto ao caso; mas uma idéia puxa outra..." (Lima Barreto. Crônicas. Texto escrito entre 1918 e 1922)
O vocábulo "ideia" não apresenta acento gráfico, no Brasil, desde o Acordo Ortográfico, em 2009.

Telemedicina, ciberataque, judicialização, covid-19, pós-verdade e negacionismo estão entre as palavras que, embora fossem faladas, não constavam nos dicionários. Foram acrescentadas ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em 2021.

Variação geográfica, regional ou diatópica

Tem como foco as alterações linguísticas que se dão por causa das distâncias geográficas. Nesse grupo são estudados os sotaques e as palavras e expressões típicas de cada região.

Exemplo de variação geográfica

Veja algumas expressões faladas no Brasil.

Amazonas
Até o tucupi: cheio até a borda
Estar brocado: estar com fome

Sergipe
A migué: à toa
Estar com a bexiga: estar nervoso

Goiás
Dar rata: passar vergonha
Largar mão: esquecer

Minas Gerais
Fingir de égua: fingir que não entendeu alguma coisa
Gastura: aflição ou incômodo

Santa Catarina
Tanso: pessoa sonsa
Em dois toques: rapidamente

Variação social ou diastrática

É relacionada à classe social a que o falante pertence e abrange também outros elementos ligados a ela, como poder aquisitivo, nível de renda e escolarização. No Brasil, há um grande preconceito linguístico contra os falantes de variantes ligadas à população mais pobre e menos escolarizada.

Exemplo de variação social

Algumas alterações são associadas à variação social, mas podem ocorrer em várias camadas da sociedade.

“Tô cansado de trabaiá”
A alteração do som representado por lh em “trabaiá” é considerado uma variação social.

“Nóis trupica mas num cai”
A concordância verbal é considerada uma variação social.

“Vivo trabalhando e você só tuitando
Enquanto eu 'to ralando, você stalkeando
[...]
Quer biscoito? (toma biscoito)
Toma, toma

Nada
Nada de curtida
Zero
Like na sua vida”
Expressões típicas da internet, como “biscoito” e “stalkeando” podem ser consideradas variações sociais.

Variação contextual, de registro ou diafásica

Refere-se ao uso de uma variante da língua motivado pelo contexto em que ocorre o ato de fala.

Exemplo de variação contextual

Uma pessoa se manifesta de formas diferentes em uma situação informal e em uma situação formal.

Em contextos informais, como uma mensagem por celular
Amanhã é a festa do Marcos, vc vai? A gente não ia lá, porque vamos encontrar hj, mas ele chamou.

Em contextos formais, como um e-mail de trabalho
Prezada Joana Silva, bom dia.
Sou revisora do Setor de Publicações e envio anexo seu artigo para a revista, revisado, para conferência e ajustes.
Por gentileza, responda enviando a versão corrigida.
Cordialmente.

Variação segundo o meio ou diamésica

É a variação que se dá de acordo com o suporte em que o texto é apresentado. Normalmente se observam diferenças entre a fala e a escrita, mas essa variação comporta também as diferenças presentes nos diversos gêneros textuais.

Exemplo de variação segundo o meio

A linguagem oral apresenta pausas, repetições, correções e interrupções que não se aplicam ao texto escrito.

Texto oral
Bom, a casa é... é grande, com janelas amplas, né? Tem também vista pro mar. Compr/ a gente comprou barato até.
Na transcrição de um texto oral, as reticências indicam pausas e as barras indicam interrupções para correção na frase.

Texto escrito
A casa é grande, com janelas amplas e boa vista para o mar. Compramos por um preço baixo.

Diferença entre norma-padrão e norma culta

A norma-padrão é baseada no idioma oficial de um país. Ela sofre um trabalho de codificação e padronização feito por gramáticos para poder ser usada na ciência e no direito, por exemplo. Por isso, a norma-padrão não é considerada uma variante linguística, já que não é efetivamente falada por nenhuma comunidade.

Por outro lado, a norma culta, também chamada de língua padrão ou variante formal, se refere às variantes de prestígio realmente faladas pelas camadas privilegiadas da sociedade. Ela é uma mistura de construções aceitas e rejeitadas pela norma-padrão.

Dessa forma, as expressões norma-padrão e norma culta, embora sejam usadas como sinônimas, têm significados diferentes.

O que é a sociolinguística

A sociolinguística é um ramo da linguística, ciência que estuda a linguagem. Ela surgiu nos anos 1960, a partir das pesquisas de William Labov.

Até então, o objeto de estudo da linguística eram principalmente os textos escritos, retirados de seu contexto de produção. Labov observou que a língua não existe sem as pessoas que a falam e propôs que fossem estudadas juntas. Dessa forma, a sociolinguística procura descrever a língua, relacionando-a às comunidades onde é falada.

No Brasil, Marcos Bagno e Stella Bortoni-Ricardo, entre outros, se destacam na área.

Referências:

GANDRA, Alan. Academia Brasileira de Letras lança nova edição online do Volp. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 24 jul. 2021.
BAGNO, Marcos. Dicionário crítico de sociolinguística. São Paulo: Parábola, 2014.
BAGNO, Marcos. Variação linguística. In: FRADE, Isabel; COSTA VAL, Maria da Graça; BREGUNCI, Maria das Graças. Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte: UFMG, 2014.

Carolina Sueto Moreira
Carolina Sueto Moreira
Escritora, revisora e tradutora graduada pela UFMG. Trabalha com produção de conteúdos desde 2016.

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